domingo, 31 de julho de 2011

Resumo da Chuva e um Som

Trouxe este pôr-do-sol lá do Resumo da Chuva do Marcelo .



O pôr-do-sol

Era um canteiro de sol empoeirado onde ela vivia e que, por algum motivo, não saía dos seus olhos cinzentos. A casa era quase uma montagem dos erros e acertos de qualquer ser humano, o que talvez explicasse o eterno fascínio e contemplação do pôr-do-sol – sempre assistido, por eles, à janela da sala. Passavam momentos saborosamente preguiçosos diante do café com leite-em-pó que ela servia junto às torradas amanteigadas todo o final de tarde. Os móveis rústicos junto aos livros amontoados davam uma cor nobre ao jogo de luz e sombras que brotavam tão casalmente das cortinas que valsavam com o vento da tarde. Ela adorava o seu toca-discos antigo e aquela Billie Holiday escorrendo pelo chão de madeira laminada, o cheiro do café e os olhos acinzentados do homem que, sentado, olhava fixamente o pôr-do-sol como que visualizando uma parte que escapou da lembrança. “Por que não compra um cd player?”, ele perguntou certa vez; ela, ao que parece, sorriu sem responder. Queria dizer que era pura influência do marido, músico, que adorava o som grave do vinil e que nenhuma outra tecnologia conseguira reproduzir de forma fidedigna, mas mencionar o finado marido poderia preencher a cena com aquele ar sisudo e broxante do respeito culposo. Não! Ela ainda tinha maravilhosos e fartos seios para atirar nas ventas daquele homem de olhos cinzentos. E ele, olhava o sol porque também tentava tirar dele a força-vital, a energia e coragem para dizer que já se passara muito tempo da morte do músico, e ele queria manchar o lençol dela com ela e dentro dela. E entre o desejo, a coragem e os espaços vazios e empoeirados, passaram anos e anos contemplando juntos o pôr-do-sol, o café, as torradas e a Billie Holiday que, não raro, dava lugar à Bessie Smith no toca-discos antigo. Uma vez apenas, ela se virou para ele e perguntou se apesar da idade, ela ainda era uma mulher bonita. Ele sentiu o coração disparar e disse algo extremamente poético sobre os seus seios, suas ancas e sobre como ele gostaria de morrer afogado nos seus braços. Ela chorou. Ele deu o seu lenço. O silêncio que imperou não era o mesmo silêncio preguiçoso de outrora, antes os sacudiu. Eles levantaram-se como que por um chamado de dentro e, mãos dadas, foram para cama. E entre a valsa, o samba e o flamenco, a noite ditou o cansaço de ambos. E nunca mais acordaram.




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Um Som!!!!!!


sexta-feira, 29 de julho de 2011

sem ação

o tema ao ar bolhas. os dois juntos. a faca na cena. um chão, duas partes. o primeiro estátua. o sonho. hermético. irmãos. corpo. e muito tempo  a palavra bolhas, mas sabão e água. outras e mais outras. um tempo para a memória, e nada ao primeiro sentido. portas paredes objetos nas mãos e o fim bolhas, fumaça ou sabão ao ar. uma cadeira uma casa. uma espada de plástico, gestos. um leque na estante, prateleira tábua de restos de madeira juntos muito juntos. a música. o ritmo. os gestos. os cabelos. o corpo na dança. o lápis no papel. 
sem ação. 




**** a Júnia quis digitar e digitou, escolheu a letra e o colorido.
**** eu ditei.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

ESTRELA DA VIDA INTEIRA

MANUEL BANDEIRA

MADRIGAL MELANCÓLICO

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

(11 de junho de 1920)


CHAMA E FUMO

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...


Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...


Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...


Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...


A cada par que a aurora enlaça, 
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...


Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...


Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...


A chama queima... O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...


(Teresópolis, 1911)


POEMETO IRÔNICO

O que tu chamas tua paixão,
É tão somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...

Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.

Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.

Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios...

Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento...

E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências...
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.

E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
O que tu chamas tua paixão
É tão-somente curiosidade.


terça-feira, 19 de julho de 2011

um verso branco

que com prazer trouxe lá do viagens de luz e sombra de Jorge Pimenta.


deixei o poema na tua mão.

para que mo pediste
se te demoras em pontes inquietas
aguardando a passagem dos rios?
eu sei, não queres correr
e todas as decisões
são apenas poeiras inúteis na superfície do ar.
que tudo passe, que tudo leve e transforme
diante das orbes frágeis dos olhos,
desejas,
mas nem isso consegues dizer mais alto do que medo
porque todas as palavras vivem dos segredos
e do que não deixas entender.
há em ti um modo secreto de tudo dizer
e um instrumento barroco a dourar-te o silêncio
como se respirassem nele as verdades da escrita.

deixei o poema na tua mão.

enlouqueço na apatia das letras
e estremeço na letargia dos sons
porque esqueci de que cor é o lírio da tua voz.
 já não sei escrever
e os meus lábios adoeceram no frio da canção
enquanto o mel da criação
funde os sexos numa massa mole
que se desprendeu da árvore
e apodreceu na mão do criador.
até os deuses parecem figuras menores
com existência digital
entretidos a pôr laços pretos nos pescoços dos homens.

mas, olha, não desisti de saber
onde escondes o pêssego maduro
que atravessa os ossos esquecidos
enquanto o corpo treme
acendendo a poeira e todas as promessas sem roupa.
porque a vida é a minha sentença,
rejeito as pálpebras do mundo
e as cortinas onde se escondem os desejos transparentes.

Jorge Pimenta

ao sabor dos acordes

ou dos sons!





Mora na Filosofia

Composição: Monsueto / Arnaldo Passos

Eu vou lhe dar a decisão
Botei na balança
E você não pesou
Botei na peneira
E você não passou
Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor
Se seu corpo ficasse marcado
Por lábios ou mãos carinhosas
Eu saberia, ora vai mulher,
A quantos você pertencia
Não vou me preocupar em ver
Seu caso não é de ver pra crer
Tá na cara

segunda-feira, 18 de julho de 2011

escutei esta hoje





Roda Viva

Chico Buarque & MPB-4

Composição: Chico Buarque de Holanda
Tem dias que a gente se sente;
Como quem partiu ou morreu;
A gente estancou de repente;
Ou foi o mundo então que cresceu;
A gente quer ter voz ativa;
No nosso destino mandar;
Mas eis que chega a roda-vida;
E carrega o destino, pra la;
Roda mundo, roda gigante;
Roda moinho, roda pião;
O tempo rodou num instante;
Nas voltas do meu coração;
A gente vai contra a corrente;
Até nao poder resistir;
Na volta do barco é que sente;
O quanto deixou de cumprir;
Faz tempo que a gente cultiva;
A mais linda roseira que há.
Mas eis que chega Roda-Viva;
E carrega a roseira pra lá;
Roda mundo, roda gigante;
Roda moinho, roda pião;
O tempo rodou num instante;
Nas voltas do meu coração;
A roda da saia, a mulata;
Nao quer mais rodar não senhor;
Nao posso fazer serenata;
A roda de samba acabou;
A gente toma a iniciativa;
Viola na rua a cantar;
Mas eis que chega a roda-vida;
E carrega a viola, pra lá;
Roda mundo, roda gigante;
Roda moinho, roda pião;
O tempo rodou num instante;
Nas voltas do meu coração;
O samba, a mulata, a roseira;
Um dia a fogueira queimou;
Foi tudo ilusão passageira;
Que a brisa primeira levou;
No peito a saudade cativa;
Faz força pro tempo parar;
Mas eis que chega a roda-vida;
E carrega a saudade pra lá;
Roda mundo, roda gigante;
Roda moinho, roda pião;
O tempo rodou num instante;
Nas voltas do meu coração;

domingo, 17 de julho de 2011

uma campanha e um som

Trouxe lá do Refúgio da Dimensão de Sandra Camurça.


Campanha MEGA NÃO! ao AI-5 Digital

Campanha Meganao - Digitalização de músicas from João Carlos Caribé onVimeo.

"Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância". 

Saiba mais aqui e assine a petição aqui!
Divulgue!!!

PS: não custa nada lembrar que o tal senador Azeredo é do PSDB e pai do mensalão... 

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Um Som!!!



terça-feira, 12 de julho de 2011

encontro perdida um achado desencontro

Preciso me encontrar quando quero me perder e isto é tão impossível como qualquer dos absurdos já dito ou pensado, pois perdida sou e acho a imagem refletida nuns acordes ou então na coreografia livre das letras se ajuntando bailando no palco escuro das pálpebras cortinas fechadas que só um vê.

Queria gritar toda a doideira nem tanto nada sufocante, porém um troço de doideira que fica rendendo visões, interpretações, motivações, uma doideira de ficar só rendendo olhares fixos para além do ponto mirado, uma doideira de ser somente eu e não veio com ele, com você, já estava instalada. Não há mais toques nem pegadas, mãos e bocas correm, os olhos permanecem. Não se come com os olhos por mais que se fale, não se toca com os olhos por mais que se imagine. A minha doideira não o atinge, não o mata, só a mim. E de repente tudo dói. Não deveria caber dor no amor, não é andor, é uma dor, ama dor é coisa de masoquista, é coisa de sádico ou é coisa de sadomasô, mas amar é...


sexta-feira, 1 de julho de 2011

os 10 primeiros

poemas de Assis Freitas que com satisfação trago e que estão na página http://mileumpoemas.blogspot.com/ .


1 - A imagem

no quadro
quadro a quadro
os teus seios
sempre pintavam
em cores reais

enquanto
rabiscavas
o céu de ficção

2 - a outra imagem, a do espelho

pelo presente
instrumento 
particular 
de decisão 
indefiro o 
poema e sigo 
só com a vida


3 - manjar da manhã

o olhar já se refez
da última tempestade
mas ainda permanece
ancorado em teu seio


4 - poema de circunstância

o poema não nasce torto
são as palavras que se
desconfiam unidas amiúde
e não satisfeitas
querem se fundir em espanto


5 - Poema em contínua rédea

Entre cravos e claves 
Vaguei o indefinido
espaço que me davas

Sou nada nesta estada
E perscruto o amanhã
Com inefável precisão


6 - Venho deste raso caminho

Desde este raso caminho
Não ter pedras e passos
Apenas sangue e tédio


7 - deslizante assimetria

alvoreceu em líquido presságio
a intermitente face desse amor


8 - à deriva

do sobressalto à razão
não passou de um minuto
aquele instante mágico

tu já se ias sorrindo
eu ficava remoendo desejos


9 - poema do encontro

queria escrever um poema
sobre Cortázar e Borges

um poema pervertido em
espelhos e mancúspias
um bestiário de punhais

poema sem qualquer final
com os versos em silêncio
brando, branco


10 - sonata vespertina

a relva incandescente
floresceu nos lábios
e
em gozosos sabores
deitou-se em orgasmos


A tormenta que se tornou

A vontade é ir preenchendo as tantas linhas vazias com toda manifestação das emoções que se dão, afloram e transpiram, ocupando de rab...