Dois poemas de Adonis (pseudônimo de Ali Ahmad Said Esber)
“Guia para viajar pelas florestas do sentido”
O que é o caminho?
anúncio de partida
escrito em folhas que o pó desenhou.
O que é a árvore?
lagoa verde cujas ondas são o vento.
O que é o vento?
alma que não quer
habitar o corpo.
O que é a morte?
carro que leva
do útero da mulher
ao útero da terra.
O que é a lágrima?
guerra perdida pelo corpo.
O que é o desespero?
descrição da vida na língua da morte.
O que é o horizonte?
espaço que se move sem parar.
O que é a coincidência?
fruto na árvore do vento
caindo entre as mãos
sem se saber.
O que é o não sentido?
doença que mais se propaga.
O que é a memória?
casa habitada só
por coisas ausentes.
O que é a poesia?
navios que navegam, sem portos.
O que é a metáfora?
asa aliviando
no peito das palavras.
O que é o fracasso?
musgo boiando no lago da vida.
O que é a surpresa?
pássaro
que escapou da gaiola da realidade.
O que é a história?
cego a tocar tambor.
O que é a sorte?
dado
na mão do tempo.
O que é a linha reta?
soma de linhas tortas
invisíveis.
O que é o umbigo?
meio caminho
entre
dois paraísos.
O que é o tempo?
veste que usamos
sem poder tirar.
O que é a melancolia?
anoitecer
no espaço do corpo.
O que é o sentido?
início do não sentido
e seu fim.
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O SACRE
Seja!
Vieram os pássaros e amalgamaram-se:
é pedra e pedra.
Seja!
Despertarei ruas e noite
e
juntos passaremos pelas árvores.
Os ramos serão malas verdes
e o sonho, travesseiro no intervalo das viagens.
A manhã persiste e estranha
imprime seu rosto em meu segredo.
Seja!
Despontou um raio chamou-me uma voz
desde os confins das muralhas...
E rezei...
sussurrei rente às pedras
e li as estrelas: tomei seus pontos
e apaguei-os.
Meu desejo é um mapa
e nele o meu sangue e as entranhas.
Se soubesse, como o poeta, mudar as estações,
se soubesse conversar com as coisas,
enfeitiçava a tumba do pequeno cavaleiro no Eufrates,
a tumba do meu irmão na margem do Eufrates
(morreu, não teve bálsamos, nem enterro, nem orações).
Eu diria às coisas e estações
“Juntai-vos como se junta o ar,
estendei-me o Eufrates;
verta a água verde
como a oliva verte em meu sangue enamorado,
no meu tempo ancião”.
Se soubesse, como o poeta, tomar as núpcias das plantas,
cobriria estas árvores com crianças.
Se soubesse, como o poeta, domar o insólito
faria nuvem de cada pedra
para fazer chover sobre a Síria e sobre o Eufrates.
Se soubesse, como o poeta, mudar a hora da morte
se soubesse ser profecia, que adverte ou dá sinal,
eu gritaria
“Ó, nuvens, condensai-vos, chovei
em meu nome sobre a Síria e sobre o Eufrates.
Por Deus, nuvens...”
Abriram-se os céus, e
da poeira fizeram-se livros,
e Deus estava em cada livro.
Sem dormir...
pedra alguma dorme em meu rosto,
miragem alguma retém o meu olhar.
Um sinal vem do Eufrates:
Sou aquele que habita em teu colar, ó pomba
em teu bando migratório, ó gaivão.
Sou como o adivinho,
espalho signos e visões
no horizonte, e em muitas línguas.
Sou o Eufrates e sou a Península.
Um sinal...
Devagar, minha saudade...
O Sacre nas veias secas, nas urbes do pensamento íntimo.
O Sacre, como halo gravado no portal da Península.
O Sacre, saudoso e confuso entre o sonho e o pranto.
O Sacre, em seu desespero criador, no labirinto,
ergue, no cume, no fundo do fundo, o Alandalus profundo.
De Damasco ao Ocidente, o Alandalus,
levando a colheita do Oriente.
O Sacre escreve ao espaço, esse desconhecido generoso,
a pedir-lhe um lugar... limpo, como o espaço nas veias.
O Sacre acena a outros sacres —
cansado, levam-no os dédalos, levam-no as rochas.
E ele se inclina, alimentando as rochas, alimentando os dédalos,
o rosto avante, o sol por encalço.
O espaço é fornalha
e os ventos, velha a tecer contos,
e os sacres, cortejo a abrir o céu.
Como um amante, audacioso,
juvenil, de paixão audaz,
ergue o Alandalus profundo
ergue-o para o Mundo — esse novo santuário.
Todo espaço em seu nome é livro.
Todo vento em seu nome é hino.
Tradução:
Michel Sleiman