quarta-feira, 17 de setembro de 2008

pedaço de um texto

Li essa semana um texto, impresso, e transcrevi os três primeiros parágrafos, abaixo, e um trecho, onde o autor escreve sobre a palavra.

A Pedagogia da Contaminação – José Ortega y Gasset

Texto do manuscrito preparatório da conferência, proferida em 1917, na Escola Superior do Magistério.
Tradução: Thiago Arruda

O que os senhores vão escutar agora não é uma lição, nem tão pouco um ensinamento. Dia após dia se afirma em mim a suspeita de que nada que em verdade mereça e valha a pena ser aprendido, pode a rigor ser ensinado. Por maiores que sejam os afãs do professor, sempre haverá uma última determinação, uma derradeira clareza, uma gota mais saborosa do sumo científico ou artístico, que ele não poderá transmitir-nos, e que teremos que conquistar como nosso próprio e penoso esforço. E essa última precisão, essa derradeira clareza, essa, que é a mais saborosa e essencial gota do sumo é, na ciência, na arte e na vida: tudo. Todo o resto existe apenas como vaso e artifício, para impedir que esse valor essencial se evapore e desvaneça.
Perpassa por toda pedagogia, essencialmente na contemporânea, uma triste e deselegante hipocrisia, com a qual pode compactuar aquele que fez do pacto sua norma de conduta, mas que para um ânimo indócil só desdém pode inspirar.
Ao que chamam nossas escolas ensinar ciências? A descarregar sobre a alma dos alunos uma massa de doutrinas já feitas, ou quando mais um doutrinário de métodos para investigação. Manso e beato trabalho! Mas através de seu fácil tecido escapa-se o ser mesmo da ciência, como água em uma peneira; e o que sobra na alma do aluno é justamente o oposto à ciência: o dogmatismo. Porque o real e o concreto da ciência é a atividade sem descanso do intelecto, que com coragem se enfrenta perigosamente com os problemas, e com eles luta para lhes dar solução. E a solução a que se chega, como ao chegar a um cume mais alto, aumenta o círculo dos problemas e tem de ser corrigida, servindo apenas de ponto de apoio e pretexto para um novo avanço, como a terra serve àquele que caminha apenas para ser tocada com o calcanhar e dar início a um novo passo. Quando o físico acaba de escrever a última página do seu tratado de física, já não pensa da física o que diz seu tratado, o seu pensamento já foi além daquela momentânea cristalização do seu esforço; já é problema aberto muito do que na sua obra parece solução fechada, a proa inquieta da sua mente alerta já se encontra rumo a novas costas, longínquas e confusas. Tomando-se pois, sem ironia a ciência de livro, a ciência conclusa e petrificada, toma-se exatamente o oposto à ciência verdadeira, que não é feita de conclusões, que é a ação intelectual fluindo em perpétua superação de si mesma. A ciência flui através dos livros como o rio, móbil e líquido, pelo seu leito, sólido e quieto. O que se ensina nas escolas modernas de todo o mundo é a ciência congelada, paralisada, suplantada, dogmatizada: um caule estéril e seco, pelo qual não correm mais as gotas essenciais. Por sorte nunca faltam homens que, apesar da escola, e às vezes fora dela, sentem originalmente brotar em seus peitos a fonte da curiosidade científica!
(...)
São as palavras, senhores, místicas e incorpóreas ampulhetas que se desprendem dos sonhos da alma, e que no ar vibrátil, às vezes se quebram, derramando seu licor interno.
(...)

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