sábado, 8 de março de 2008

elas e outras... e outros

Assim ela não se perderá
(do livro E... Feito de Luz de Ana Cruz)

Ando meio atormentada
com essa história de eu ser educada.
Têm saído muito caro minhas petulâncias.
Por mais que eu insista,
feche os olhos, tape os ouvidos,
eu não consigo.

Vem um calor,
um nó na garganta e se eu não falar,
posso acabar dando um troço, um trem.

Briguei com minha professora,

que não se conforma com meu jeito de ser.
Ela quer e insiste que eu seja igual a todas as crianças da sala.
Que eu aprenda tudo do jeito dela,
tudo dentro daquele método
feito para dar certo.

Quando fazemos uma pergunta,
antes de terminarmos,
ela já tem a resposta na ponta da língua.
Aluno assim, filho assim,
não dá canseira,
deixa a gente sempre no mesmo lugar.

Eu sou a oportunidade para que ela
se torne uma grande mulher, uma ótima profissional.
Mas ela insiste em me tratar com desigualdade,
em não respeitar o fato de que sou diferente.
Quer que eu fique caladinha,
me sentindo inferior.
Por conta disso,
ela fez minha mãe rodar comigo em vários especialistas,
seja da cabeça, seja do comportamento.
Mas eles só olhavam para mim depois que minha mãe
mostrava as minhas belas notas.
E eu ia logo dizendo:
Eu só tiro essas notas para alegria de minha mãe
e para matar de raiva minha professora.

Daí ele me olhava,
fechava a cara
e fazia um jeito de autoridade.
No fundo,
o que eles gostariam mesmo era de me receitar
uma boa surra, para me amansar e me colocar nos eixos.

Mas por serem práticos, modernos, eficientes
e gostarem de efeitos a curto prazo,
logo me receitavam um remédio de tarja preta.
Minha professora faz de tudo para me tornar problemática,
assustada, medrosa e com isso me expulsar da escola.
E depois sai dizendo:
- Ela abandonou a escola!

O que me deixa mesmo intrigada é o fato
de ser eu a única a precisar de um especialista.
Não tem que ser ela também capacitada e especializada?

Outro dia, não resistindo, eu perguntei:
- Professora, a senhora já foi ao psicólogo, terapeuta,
psicanalista, já discutiu psicologia infantil?
- Não, não, não.
Essa foi a resposta completa.

Não me dando por vencida,
perguntei novamente:
- E ao pai de santo, rezadeira, cardecista, protestante, esotérica?
Ela se irritou e gritou:
Só em missa de sétimo dia, casamento e batizado.

Dia desses, ela saiu da sala carregada, desmaiada.
Só porque eu fiz todas as minhas tarefas caladinha, pacatinha,
ela logo veio me futucar, me provocar e disse:
É assim que nós gostamos de você e te aceitamos:
boazinha e obediente.
Aquilo me subiu um trem, um negócio ruim
e logo eu fui dizendo, fui chutando:
Tá pensando o quê?
Que sou uma perdida,
sem mãe e sem pai?
Pensa que sou podre?
Dinheiro é certo que não temos.
Mas conhecimento e sabedoria é o que não falta lá em casa!
Obediente, caladinha...
Poderá na face da Terra existir
coisa mais miserável?

9 comentários:

Moacy Cirne disse...

O livro indicado por você (a partir do trecho selecionado) parece ser muito bom. Um grande beijo para vocês, especialmente hoje, mas também para toda a Humanidade: a que luta, a que procura o saber, a que produz de forma criadora.

o refúgio disse...

Vais, sabia que você não ia deixar passar em branco esse dia. valeu!ótimos, o texto e as imagens.
Beijo no coração.

Marcelo F. Carvalho disse...

Abraço forte a todas vocês!

Jens disse...

Oi Vais.
Menina, que bela postagem, que vigoroso hino à desobediência saudável, à rebeldia necessária, à utopia imprescindível. Uma das melhores coisas que eu li relativas do Dia Internacional da Mulher (na verdade, o segundo melhor post sobre o assunto).
Permite que, exagerado, hoje eu te qualifique como Vais, a Libertária.
Parabéns.
Um abraço e um beijo - emocionados e prenhes de sincera admiração.
Arriba, guria!

Jens disse...

Oi Vais. Tem um presentinho pra ti lá na Toca nesta sexta-feira (14.03). Pega lá.
Bj.

dade amorim disse...

Pois é, mas é assim que funciona: quietinha, caladinha e perdidona, porque vai continuar caladinha e obediente toda vida, até que seja tarde demais.
Beijo procê, menina.

Vais disse...

Moacy, sim é um livro que gosto muito, ela é mineira, e seus escritos tem muito do interior e da mulher, pretendo colocar mais coisas dela.
abraço

Sandrinha, é moça esta data é uma conquista, a capa da cartilha que coloquei, o dia da mulher nasceu das mulheres socialistas do NPC, é boa, boa.
beijo

Professor Marcelo,
valeu!
abração

Simpático Jens,
eu gosto muitíssimo desta poesia da Ana.
Beijo pra você pelos entusiasmos emocionados e exagerados.
brigadim pelo caneco.

É Adelaide quando este tarde demais chega junto com a danada da foice, aí não tem jeito mesmo,ah, mas eu tenho uma coisa comigo assim de esperança...
beijão

Anônimo disse...

ah, coragem!

Vais disse...

Saudações, Laura

que surpresa!!!
já que você não comentou deste comentário:), certo que em algum momento ia descobrir

pra falar verdade fico delirando com as energias que rolam, :))) estas boas

legal achar você por aqui

beijo grande

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