bilhete de identidade
não sei quando nasci
[a memória dormia ainda na ponta dos pés de uma bailarina].
sei que as manhãs já sacralizavam o tempo
com candeias de bruma pela estrada.
nada mudou;
apenas depuseram o orvalho
sobre o nome
e abriram a cortina para a cidade adormecida.
nem um porto
nem um lírio
nem um cavalo selvagem.
e a primavera louca se fizera
como os pássaros que se desprendem das asas
aceitando dividir a casa
com coágulos do nevoeiro.
talvez já não saibam delimitar as estrelas com a mão
neste hospício de cal branca
onde as vísceras e os ossos
aquecem a noite e os silêncios.
perdeu o manto
e deixou de sonhar
e todo o tempo se fez velho.
não sei quando nasci.
como ontem,
hoje o nome estremece no arquivo
ao lado de anagramas e estações do ano.
como ontem,
hoje o rosto no espelho
assobia lugares estranhos.
hoje,
ao contrário de ontem,
esta carne mascara-se de cera
e despede os músculos e a alma
numa ejaculação que engravida a terra e o vinho
[tenho-os secretamente guardados num frasco de vidro
com uma etiqueta perfumada.
creio que tem escrito “coração”…
ou “coroação”?...].
toda a mão que rasga o útero merece aprender a morrer.
mas foi ela um dia
[talvez o de aniversário]
que mordeu os lábios do vento
e cuspiu a terra para as sementes
[a desilusão nidifica em árvores tão estranhas].
e a morte escondeu-se no alfabeto.
e a primavera voltou a ser uma estação do ano.
e a mão solitária costurou todo o corpo,
com a paciência magra que denunciou o crucifixo.
aprendeu a sorrir para a lua
com os dentes brancos de margaridas
que caíam lentamente sobre o perdão.
não sei quando nasci…
sei que todos os homens são loucos.
Jorge Pimenta
O Som!!!!!!!!!!
4 comentários:
queridíssima amiga,
é esta a sina do homem: por mais máscaras que use, há sempre lugares e tempos que assunção individual a que jamais conseguimos fugir. todo o ontem, o hoje e o amanhã são meras circunstâncias da (de uma?) identidade.
beijinho em equinócio!
p.s. obrigado por me trazeres para junto de ti!
o Jorge sabe das coisas, é fera
beijo
Espia, por aqui também se delira...
Beijo, querida!
Saudações, Jorge,
creio que em meio às máscaras haja essências e que podemos lapidar identidades e que nas circunstâncias podemos ter envolvidas energias imateriais do ontem do hoje e do amanhã interagindo
beijo carinhoso
ps: trazer o viagens, você luz e sombra é uma satisfação
************
Ei, Assis
o Jorge tem tino
beijo procê
ps: ah, moço, você também!
************
Espia só, Cris, é que de lira vamos por aís viajando num trem
muito doido :)
beijinhos, querida
Postar um comentário