domingo, 30 de janeiro de 2011

Sobre as superstições

A Caverna - José Saramago
Págs.20, 21
Saiu da furgoneta para ver quantos outros fornecedores tinha à sua frente e assim calcular, com maior ou menor aproximação, o tempo que teria de esperar. Estava em número treze. Contou novamente, não havia dúvidas. Embora não fosse pessoa supersticiosa, não ignorava a má reputação deste numeral, em qualquer conversa sobre o acaso, a fatalidade e o destino sempre alguém toma a palavra para relatar casos vividos da influência negativa, e às vezes funesta, do treze. Tentou recordar se em alguma outra ocasião lhe calhara este lugar na fila, mas, de duas uma, ou nunca tal acontecera, ou simplesmente não se lembrava. Ralhou consigo mesmo, que era um despropósito, um disparate preocupar-se com algo que não tem existência na realidade, sim, era certo, nunca tinha pensado nisso antes, de facto os números não existem na realidade, às coisas é indiferente o número que lhes dermos, tanto faz dizermos delas que são o treze como o quarenta e quatro, o mínimo que se pode concluir é que não tomam conhecimento do lugar em que calhou ficarem. As pessoas não são coisas, as pessoas querem estar sempre nos primeiros lugares, pensou o oleiro, E não só querem estar neles, como querem que se diga e que os demais o notem, murmurou.
(...)
Estão muito enganados se julgam que vou ficar aqui, disse Cipriano Algor em voz alta. Fez recuar a furgoneta como se afinal de contas não tivesse nada para descarregar e saiu do alinhamento, Assim já não serei o décimo terceiro, pensou. Passados poucos momentos um camião desceu a rampa e foi parar no sítio que a furgoneta tinha deixado livre.
(...)
Quando desapareceu no alto da rampa, o oleiro manobrou rapidamente e foi colocar-se atrás do camião, Agora sou o catorze, disse, satisfeito com a sua astúcia.
(...)

Pág.22
Então, ainda não completamente regressado do sonho, pensou, Não mudei de número, sou o treze que está no lugar do catorze.

Pág. 24
A culpa deveria ter sido do treze, ao destino não o enganam artimanhas de pôr depois o que estava antes.
(...)
O oleiro sorriu com tristeza, Não foi o treze, o treze não existe, tivesse eu sido o primeiro a chegar e a sentença seria igual, por agora metade, depois se verá, merda de vida.

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O Som!!!!


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Diabo no Meio da Rua

Trouxe este belo texto do Marcello.

O solo do oboé

A condição humana, feminina ou masculina, é a condição da fragilidade. Cultua-se, todavia, a fortaleza, em detrimento da angústia, da impotência, e dela mesma: a fragilidade.
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Desprezada, renegada, maltratada – a despeito de ser irrefutável – a fragilidade é ignorada pela história. A história exalta o herói, presumidamente imune à ela. Porque a história é escrita por homens (do sexo masculino) e sobre homens (idem), cuja armadura é a máscara da coragem e da bravura.
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Ela, a história, é parida pela violência, e ao vencedor não se pode reputar o frágil ou o sensível, mas o forte e o viril. A fragilidade – repita-se: uma condição humana, feminina e masculina – é incompatível com a virilidade exigida ao homem, esse “destemido”. Incompatibilidade que, cultural e historicamente, diferencia homens de meninos... e aparta homens de mulheres – malgrado a imanente e (para este homem histórico e cultural) misteriosa força feminina.
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Superveniente, fragilidade gera medo e dor, sentimentos dos quais o “homem-forte” não se permite padecer... Mas padece. A este homem não se permite confessar a própria fraqueza. Sequer lhe é permitido chorar. A ele não se concede a lágrima do corpo (da dor per se). Dele não se tolera a lágrima não chorada. O choro contido resta, portanto, recolhê-lo ao domínio da expressão artística, no limiar entre o racional-consciente e a experiência sensível. Ali, neste limiar, está a confissão de que a vida não basta. Pois ao homem, mesmo o supostamente “forte”, é insuportável o sofrimento de ser...
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E o homo fragilis – este que padece, sim senhor, do medo e da dor – retrai-se ao universo artístico. Ele se procura na expressão poética. Ele é o romântico do século XIX, como o jovem Werther e seu séquito. No pós-realista século XX, simbolista e moderno, niilista e existencial, ele é a derrota. A derrota é o personagem, sob as formas do quixotesco Vitorino e do sensível Philip, do absurdo Meursault e do rude Fabiano (mesmo que o herói de Vidas Secas possa ser seja antes de tudo um forte, nesta realidade ele pertence à contingência do homem... e o homem é, antes de tudo, um fraco).
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Eis a derrota da suposta fortaleza, exigida e almejada. A impotência aflora sem pudores. O homem frágil quer se expor. A literatura, seja pelo fato poético, seja pela travessia da prosa, é a metáfora da virilidade perdida, é a admissão dessa condição humana (e de resto masculina): a dimensão da fragilidade. A força lírica e criativa rebenta da fragilidade, na medida em que o homem “se sabe” e se deixa saber na sua fraqueza, sem receios.
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Assim que Joyces e Kafkas, Augustos e Pessoas, Caios e Franciscos, se permitem expor às vísceras do devir, na dimensão da realidade grávida prestes a parir... Tudo acaba bem?... A parição é bem sucedida?... Não. Naturalmente, não. Dor e sofrimento costumam rebentar...
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Resta, portanto, o lenitivo da arte. Resta a cura pela expressão. Não a cura dos prozacs, ou do consumo de tralhas inúteis, mas a cura pela via da liberdade... Uma cura possível, pela libertação do em si positivista, pelo afastamento que permite observar-se de certa distância, livre de dogmas, livre de conceitos e rótulos, livre de exigências e amarras... ( e aqui não há o que fazer senão deixar um desconcertante et cetera).
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E de mãos dadas com a fragilidade está essa liberdade. Essa liberdade reveladora, extática, e dual: às vezes um lenitivo, outras vezes um recrudescer do sofrimento… Assim como ressoa, viajando pelo espaço e pelo tempo, um efêmero solo de oboé: às vezes belo, às vezes doído, mas sempre necessário...
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assim eu escrevia

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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

arteiras

As meninas frequentaram o Instituto Educacional Vovó Neném. A Júnia até 2008 e a Elena até 2010. Em 2008, um dia, a Elena veio com um jogo, para jogar com os familiares e com quem mais quisesse, e depois seria devolvido à Escola. Foi muito legal! Tinha um nome, Trilha de Boa Convivência. Gostei tanto que chamei as fofas Liz para fazermos a nossa própria trilha. Daí, fizemos a Trilha do Terror.
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Já faz um tempo não pego nesta lapiseira: uma pentel esquecida, achada numa sala vazia. Ou num pincel. Só quero, no momento, escutar a música tocar. Pensar numa história inacabada ou noutra desenhada, donde o teor ainda anda no ar.
Escrever sobre o ponto de fuga, sobre a menina que bebe água, uma árvore que nasce, um pássaro no vôo, o brilho da estrela. Escrever sobre um universo cheio de tudo. Um pouco sobre todas as coisas. De quantas canetas e papel precisarei? Mesmo que seja um pouco... Quantas vidas terei que viver até que, não reste nada a escrever? Só me restará escrever a respeito do nada. E o nada, está vazio(ou de saco cheio) de tudo.
Mas, a mulher despida vinho com suas vestes pendentes, coxa de fora, escora-se em pauis e não sei quê cavernoso. Atrás, pirâmides estão, transportadas, não daquelas areias escaldantes desérticas, vindas doutro, de águas azuis esverdeadas. Umas sustentam redondos mundos, enquanto a outra é alçada pelo círculo radiante.
... é quando a matéria se comprime, e tudo não passa de bola de gude(ou duma birosca). É quando outra parte se expande, correndo mundos. Chega ao ponto de nuvens. Desce. Planta os pés. Os nervos estirados rompem a carne, unem-se à descarga elétrica, eriçando cabelos: A copa formou-se!
(1997)

domingo, 16 de janeiro de 2011

Coletivo
Coletividade
Vida de muitas mãos
Cabeças corações
Atividade das idéias
Pensamentos
Projetados juntos
Juntas ações
Unidade nas diferenças
A buscar a fazer
A buscar a fazer
Coletivos
i vós voz és
Tá tamos
Neste nesta
(28/07/10)




E lembrava com gosto, numa mistura saborosa com pitadas de saudades, quando espiava o espaço. São os encantos dos primeiros contatos, que se fortalecem ou se desfazem. Justificava as ausências na falta das palavras, até inventava segundas para não sumir. Às vezes não queria que fosse assim. Dizer simples, esteve aqui, um beijo pra tod@s. Mas ficava querendo uma expressão profunda, ou nem tanto, do entendimento, do toque. Para se mostrar? Pra dizer que não era assim tão, uma pessoa tão limitada? Mas não havia domínio de tantas expressões e suas composições que traduzissem os arrepios, aquela quentura que passava por todo o corpo em segundos, as batidas do coração, tal qual tambor.
(19/08/10)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O futuro é a certeza da pedra,
de sobrar
Nas planícies, gelada
Nos planaltos, queimando
Nos vales
Nas valas cheias ou vazias
Estranha à lei, sujeita da inércia
Vai ficando a pedra
Povoada de micros
(31/12/10)

imagem:net

Negativa
Individual pessoal
Me prá muá
Poema não feito
Palavra não dita
Sentido escrito
Um anti poema
Eu com isso? E daí? Problema! Meu?
Com
Bate
U
Sampontí
Fiz e
pronto!

(05/01/11)


imagens: net. (fiz a montagem)

Vou experimentar os planos de fundo à disposição. Um arco-íris, agora chamas. A princípio, apenas o fogo, sem grandes razões, simples, quente. Então a relação. Chamas de um fogão, fogo de gás para cozer os alimentos, ferver água, ferver leite. Lembrei as fornalhas e a fornalhinha no quintal interior das bananinhas fritas.
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Levarei meus olhos a dançar pelas páginas da gente querida.
Inté.
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U
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PS: Estes quadradinhos que estão abaixo, é um recurso pra se ver postagens antigas. Aprendi como colocar com a doce Sandrinha Camurça, Dona Moça do Refúgio da Dimensão Salvadora.
Valeu querida!

A tormenta que se tornou

A vontade é ir preenchendo as tantas linhas vazias com toda manifestação das emoções que se dão, afloram e transpiram, ocupando de rab...